segunda-feira, 25 de setembro de 2017

DEPOIS DA ENCHENTE


Enquanto eu caminhava, o vento marcava em meu rosto um mapa forjado com lágrimas que jorravam despudoradamente. Elas vinham da minha reserva de dor, que teimosamente, preferi guardar. Simbolizavam também, meu grito surdo que emudeceu antes mesmo de passar pela garganta. E eu seguia travando uma dantesca batalha com meus pensamentos. Numa neurose interminável. O próprio ouroboros da insanidade. Muitas vezes pensei: como teria sido para tantas pessoas terem suas vidas transformadas pelas calamidades, enchentes, por exemplo? Num momento adormecem e no outro, acordam com a vida inundada e uma forte corrente levando tudo... Vidas indo, literalmente, por água abaixo. 
Eu vi minha vida sendo inundada por uma torrente de emoções mal resolvidas. Fui me afogando em atitudes desesperadas, agarrava-me à primeira possibilidade de manter-me emersa. Pelo menos era isso que eu pensava. Quantas esperanças vãs! Ninguém podia me salvar. Estavam todos ocupados com suas próprias enchentes. Embora, no meio do terror, eu não pudesse enxergar isso. Num dado momento, apareceu uma tábua – convicção de que eu tinha de me manter viva -, agarrei-me nela com toda a gana desesperada de quem chega às portas da morte. Uma hora – que parece nunca chegar -, as águas baixam. Resta lama, muita lama para limpar. Destroços, detalhes que eram guardados com tanto zelo, lembranças, souvenir’s de belos momentos... a enchente levou tudo!
Assombroso. E, por incrível que pareça, esse não era o mais aterrador. Sim o fato de descobrir que eu poderia viver sem tudo isso. Eu posso! Na alma, as cicatrizes desenhavam uma forma indefinida mas, não agride os olhos. Todos os meus medos me sequestraram. Já conheço suas faces. Agora tenho menos medo dos meus medos. Esse não é um enredo de um conto onde todos vivem felizes no final ou para sempre. É só um conto onde enquanto se vive, faz-se tudo para se continuar vivendo. Não ganhei nem uma aposta milionária, nem fui ver o pôr-do-sol na Riviera francesa.
Arregacei as mangas e, embora fosse difícil sair do meu mundo quimérico, onde tudo dá certo no fim das contas, encarei a vassoura e a pá. Comecei a limpar a sujeira. Limpo todos os dias. Erro, erro muito. Algumas vezes, tenho de engolir meu orgulho e arrogância e dizer que não sei o que estou fazendo. Peço ajuda. Envergonho-me de não ver o óbvio. Conheci minhas fraquezas. Não sou feliz todos os dias, nem sempre o vento parece me dar asas como nos tempos de outrora. 
Às vezes, só me lembro que está muito frio. Nem todos os dias tem banquete, nem a mesa está posta com toalha de linho e copos de cristais. Mas todos os dias tem pão, trazido com o esforço do trabalho. O sorriso, por tantas vezes é débil, esconde a lágrima que teima em querer sair. Não sou uma super-heroína. E nem sei se algum dia vou figurar nas páginas da história. Apenas sei dizer que nesse momento estou viva e é o que me basta por agora.

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